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O Hidrogênio e seu papel na transição energética


O ano de 2024 foi provavelmente o primeiro ano a ficar mais de 1,5 °C acima da temperatura na era pré-industrial. Com isso, se tornou o mais quente desde que começaram os registros, há 175 anos. As temperaturas globais recordes, vistas em 2023 e quebradas em 2024, foram causadas principalmente pelo aumento contínuo nas emissões de gases de efeito estufa. A concentração atmosférica de dióxido de carbono está nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos . A participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global foi de 80% em 2023. A queima de combustíveis fósseis é a principal fonte de emissões de dióxido de carbono no planeta.


A transição energética para fontes renováveis, não emissoras de dióxido de carbono, requer a inserção de diversas tecnologias capazes de suprir a necessidade de energia do planeta com segurança energética similar à obtida na geração de energias por fontes fósseis. É nesse contexto que o hidrogênio vem sendo apontado como um importante vetor energético. A “queima” (reação de combustão do hidrogênio) tem com produto a água.

A necessidade de descarbonização potencializa novos usos para o hidrogênio, além daqueles já consolidados. A molécula passou a ser considerada como um importante energético para a decarbonização, especialmente nos setores de difícil descarbonização (hard to abate), como siderurgia, cimento, aviação e transporte marítimo. Além disso, a descarbonização das operações industriais que utilizam hidrogênio atualmente vem sendo um importante motor para a inserção de novas tecnologias de geração de hidrogênio.


Molécula constituída por dois átomos de hidrogênio, com símbolo H2, o hidrogênio é a espécie química conhecida mais abundante no universo. É um gás incolor e inodoro e é o menos denso de todos os gases conhecidos. O hidrogênio é um elemento essencial para a vida, estando presente na água e em quase todas as moléculas dos seres vivos. Em sua forma natural, não representa nenhum papel particularmente ativo, liga-se aos átomos de carbono e oxigênio. Junto com o carbono, é a base de toda a química orgânica, além de estar presente em vários compostos inorgânicos, como ácidos, bases e a própria água.



O hidrogênio é utilizado industrialmente para várias aplicações. É utilizado, por exemplo, para produzir amônia, utilizada como fertilizante, e produtos intermediários na produção de polímeros e fármacos, como ciclohexano e metanol. Também é utilizado para enquadramento da qualidade de combustíveis, como gasolina e diesel, principalmente quanto ao teor de enxofre. O Hidrogênio ainda é utilizado para hidrogenar óleos para formar gorduras como, por exemplo, na produção de margarina. Na indústria de vidro o hidrogênio é utilizado como atmosfera protetiva na produção de vidro plano. Na indústria de eletrônicos é utilizado como gás de purga durante a manufatura dos chips de silício.


O hidrogênio está presente na atmosfera em concentrações muito baixas, da ordem de 0,5 partes por milhão (ppm, em volume). Para uso industrial, o principal método de produção de hidrogênio adotado no mundo é a reforma a vapor do gás natural. Cada tonelada de hidrogênio produzido por esse processo emite de 10 a 12 toneladas de dióxido de carbono (CO2).


Para que a molécula possa ser usada como vetor de descarbonização, entretanto, é necessário que a sua produção não seja fonte significativa de emissões de gás carbônico. Algumas formas de produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono são: substituição do gás natural por biometano, etanol ou bionafta com carga do reformador; captura do CO2 gerado na reforma a vapor; pirólise a plasma do gás natural; reforma a seco do biogás; eletrólise da água.


A Lei número 14.948, de 2 de agosto de 2024, que instituiu o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil, define como hidrogênio de baixa emissão de carbono o “hidrogênio combustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção e que possua emissão de GEE, conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a 7 kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido)” .



Dentre os diversos possíveis processos de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, a eletrólise da água vem ganhando destaque nos últimos anos. O hidrogênio gerado por eletrólise da água é também chamado de hidrogênio verde. A atribuição de cores ao hidrogênio de baixa emissão de carbono de acordo com a tecnologia de geração se tornou muito popular, mas vem sendo refutada. A adoção da definição de hidrogênio de baixa emissão de carbono em função da quantidade de dióxido de carbono emitido em sua produção, independente de qual tecnologia é utilizada para sua obtenção, é o que vem sendo adotado mundialmente. Como mencionado anteriormente, também foi o conceito adotado pela legislação brasileira. Nesse artigo, o hidrogênio produzido por eletrólise da água será denominado “hidrogênio por eletrólise”.


A eletrólise de água foi descrita cerca de 1800 na sequência dos estudos de Alessandro Volta e Humphry Davy e, em 1869, o belga Zenobe Gramme desenvolveu a máquina de Gramme e o que foi considerado um processo de baixo custo de obtenção de hidrogênio . O princípio de funcionamento é a redução da molécula da água por meio de injeção de corrente elétrica, com a migração dos íons de hidrogênio para o cátodo e dos ânions e oxigênio para o ânodo. Os íons se combinam entre si, formando as moléculas de hidrogênio e de oxigênio separadamente. Atualmente, a eletrólise pode ser feita em eletrolisadores com as seguintes tecnologias:


  • Eletrolisadores alcalinos – tecnologia mais antiga e mais madura. Necessita de um eletrólito para que a reação ocorra.


  • Eletrolisadores PEM (Proton Exchange Membrane) – tecnologia que vem sendo apontada como a mais promissora para absorver as intermitências das fontes de geração de energia elétrica renovável. Tem como principais vantagens o não uso de eletrólitos e o tamanho compacto. Envolvem metais nobres, tais como irídio, em sua fabricação, o que os torna mais caros do que os eletrolisadores alcalinos.


  • Eletrolisadors SOEC (Solid Oxide Electrolysis Cell) – vêm sendo apontados como a futura geração de eletrolisadores, ainda em desenvolvimento. A principal vantagem desses equipamentos é a operação em alta temperatura, o que possibilita integração energética com as unidades de processo usuárias do hidrogênio, podendo representar menores custos globais de operação.



Segundo o IEA , a produção mundial de Hidrogênio em 2023 foi de 97 milhões de toneladas, sendo a China o maior produtor de hidrogênio do mundo. A produção de hidrogênio em 2023 foi amplamente dependente de fontes fósseis sem abatimento de CO2, seguindo o histórico dos últimos anos. e espera-se que tenha permanecido assim em 2024 (dados ainda não disponíveis). A rota de produção por gás natural dominou, respondendo por dois terços da produção total. O Oriente Médio é um ator chave, produzindo aproximadamente dois terços de todo o hidrogênio no mundo por essa rota, com Estados Unidos e China respondendo juntos por aproximadamente um quarto da produção mundial. O Hidrogênio produzido a partir da gaseificação do carvão sem abatimento de CO2 respondeu por 20% da produção total em 2023, predominantemente na China. Adicionalmente, mais de 15% do Hidrogênio no mundo foi produzido como subproduto nas refinarias de petróleo e na indústria petroquímica, em processos tais como reforma de nafta. A produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono cresceu marginalmente em 2022 e 2023 e permanece abaixo de 1 Mtpa, o que representa menos de 1% da produção mundial. A maior parte desse hidrogênio de baixa emissão de carbono foi a partir de fontes fósseis com captura de carbono (CCUS – carbon capture, use and storage). O hidrogênio por eletrólise ainda responde por uma parcela muito pequena do total, permanecendo abaixo de 100 mil toneladas em 2023, tendo sido produzido principalmente na China, Europa e Estados Unidos, que juntos respondem por 75% da produção global de hidrogênio por eletrólise.


Não se pode dizer que esse é um progresso notável para um setor nascente, mas a maior parte do potencial de produção ainda está em planejamento ou ainda em estágios mais iniciais. Para que todos os projetos de hidrogênio por eletrólise se materializem, o crescimento do setor teria que atingir uma taxa de crescimento anual de mais de 90% entre 2024 e 2030, algo até então nunca visto, muita acima do crescimento visto pelo setor de solar fotovoltaica, por exemplo, nas suas fases de expansão mais rápidas. Diversos projetos foram adiados ou cancelados, o que põe em risco uma parte significativa da carteira como um todo. As principais razões incluem falta de clareza na demanda, dificuldades em obter financiamento, incertezas regulatórias, licenciamento e autorizações e desafios operacionais. A produção de Hidrogênio renovável hoje é da ordem de uma e meia a seis vezes mais cara do que a produção de hidrogênio por fonte fósseil sem abatimento .


Segundo o IEA , os custos de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono a partir de eletricidade renovável podem cair até 2030 a até USD 2-9/kg H2 (metade do valor atual), a depender do cenário considerado para a evolução de medidas para descarbonização. Ainda, segundo a mesma fonte, à medida que os preços do gás natural caem em muitas regiões, a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono a partir de gás natural com CCUS (captura, utilização e armazenamento de carbono) também deve experimentar reduções de custo.



O investimento dos governos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em tecnologias de hidrogênio tem crescido desde 2016, e esse esforço está começando a dar frutos. Até o momento, os avanços ocorreram principalmente no lado da oferta, e várias tecnologias já estão comercialmente disponíveis ou próximas desse ponto. Resultados promissores também estão sendo observados em tecnologias de uso final, com várias aplicações na indústria e na geração de eletricidade alcançando a fase de demonstração, além de progressos significativos em aplicações de transporte, especialmente no setor de navegação marítima. Adicionalmente, o número de pedidos de patentes aumentou 47% em 2022, com grande parte desse crescimento vindo de tecnologias que são motivadas principalmente por preocupações com as mudanças climáticas. Esse aumento na atividade de patentes sugere que o financiamento público adicional para pesquisa e desenvolvimento, juntamente com uma confiança crescente nas oportunidades de mercado futuras, apoiadas por políticas favoráveis, estão estimulando o surgimento de mais ideias e designs de produtos com potencial comercial.


Algumas projeções indicam que os custos de produção do hidrogênio por eletrólise cairão para valores menores do que os custos de geração do hidrogênio por reforma a vapor do metano. Os principais componentes de custo do hidrogênio por eletrólise são o CAPEX (investimento inicial nas instalações) e o custo de energia elétrica. Países com baixo custo potencial de geração de energia elétrica renovável, como o Brasil, são apontados como regiões nos quais o hidrogênio por eletrólise pode atingir os menores custos de produção do mundo.



A redução dos custos de produção do hidrogênio por eletrólise requer o aumento de escala de produção dos eletrolisadores e consequente barateamento desses equipamentos. Incentivos governamentais vêm sendo utilizados como mecanismo de fomento dessa indústria, mas ainda não foram suficientes para alavancá-la. A intensificação de ações de incentivo à demanda pode ser uma solução que permita que essa indústria cresça e passe a se auto sustentar nos próximos anos.


Não menos importante é a consolidação de legislação e regulação de abrangência mundial para ampliação de mercados e segurança jurídica para investimentos em novos projetos.




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Sobre a autora:


Claudia Hönnicke é engenheira química pela UFPR, especialista em gestão de qualidade pela FAE Business School, em engenharia de produção pela PUC PR, em engenharia de processamento de petróleo pela UERJ e em gerenciamento de projetos pela UFRJ. Trabalha na PETROBRAS desde 2006 em gerenciamento de projetos em diferentes estágios de maturidade em projetos de pesquisa na área de eficiência energética.


*Os artigos assinados são de responsabilidade dos articulistas, não representando necessariamente as posições das organizações a que estão associados (as) nem do RADARH2.


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